PODCAST 20
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EU SEI...MAS NÃO DEVIA
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e não
ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se
acostuma a não olhar para fora. E porque não
olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E
porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E
porque à medida se acostuma esquece o sol, esquece o ar, esquece a
amplidão.[...]
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no
telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de
volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e
necessita. A lutar para ganhar o dinheiro com que se paga. E a ganhar menos do
que precisa. E a fazer filas para pagar. E pagar mais do que as coisas valem. E
a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais
dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir
revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao
cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado
na infindável catarata de produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro
tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas,
às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta
morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do
pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas de mais, para não sofrer. Em
doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento
ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila
e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada a gente só molha os pés
e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando
no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai
dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sono atrasado.
A gente se acostuma, para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e baioneta, para poupar o peito . A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto se acostumar, se perde em si mesma.
(Marina Colassanti. In: Reunião técnica sobre recursos
instrucionais na
formação profissional. São Paulo: Cenafor, 1985.)
Convido a refletirem sobre as prioridades da vida. Vivemos atrás de felicidade, mas será que estamos buscando no lugar certo? é fazer o que se gosta, valorizar o prazer pessoal, colorir os dias, abraçar a família e os amigos Vamos ensinar para as próximas gerações, através do exemplo, que mais importante que TER é SER.
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