Fiquei sabendo que alguns pais estão “decepcionados” com a LINDA, personagem autista da nova novela das 21h da Globo. À princípio não entendi o por quê, mas logo me disseram que, na verdade, alguns pais estão ansiosos para enxergarem seus próprios filhos retratados na tal personagem.
Então parece que a LINDA não retrata bem a realidade do seu filho ou da sua filha. Sua filha não gira o controle remoto. Seu filho não tapa os ouvidos ao ouvir música alta. Sei…
Vamos pensar em dois personagens famosos e e em seguida em duas pessoas reais com autismo.
Dustin Roffman – interpretou um autista no filme Rain Man. Quando eu soube que minha filha era autista cheguei a me perguntar se ela seria capaz de contar os palitos de fósforo no chão caso eu deixasse cair a caixa aberta, assim como fez o personagem! Pensei que aquele era o fiel retrato de um autista. Claro, eu não sabia NADA de autismo!
Jim Parsons – Como não amar o Sheldon? Frequentemente me perguntam se minha filha age como o famoso personagem do seriado The Big Bang Theory. Digo que o Sheldon, na verdade, age sim como um autista de alto funcionamento, um savant, um gênio. Mas o autor foi sagaz ao ocultar dos telespectadores qualquer termo associado ao autismo na série. Ninguém jamais chamou o Sheldon de autista ao longo dessas 6 temporadas que venho acompanhado. Isso geraria uma polêmica absurda e o autor deve saber disso! O Sheldon Cooper é como ele é, uma coisa caricata, explico aos meus amigos. Já a minha filha é de verdade!
Agora vejamos o exemplo de duas lindas que eu amo sem nem conhecer pessoalmente!
Temple Grandin- Fantástica! Teve muitas dificuldades para interagir, falar, ser aceita nas escolas. Sua mãe foi guerreira e teimosa numa época em que internar o filho era o caminho. Temple hoje dá palestras, faz projetos ligados à agropecuária, mora sozinha. Não faz estereotipias, mas tem sensibilidades sensoriais que ainda a incomodam muito.
Carly Fleishman- autista grave. Ainda sofre com as “teimosias” de seu corpo que insiste em engatar movimentos e sons que ela não gostaria de produzir, mas as informações chegam confusas ao seu cérebro e ela tem que filtrar o ambiente, acalmar-se, vencer seus medos. Só aos 11 anos libertou-se. Escreveu suas primeiras palavras e nunca mais parou de escrever. Hoje ajuda milhões de pais e profissionais pelo mundo a entenderem como se sente um autista.
Bem, o que essas quatro pessoas da ficção e da realidade têm a ver com a LINDA da novela “Amor à Vida” ? ABSOLUTAMENTE TUDO E ABSOLUTAMENTE NADA!
Sabem por que? Porque interpretar uma personagem autista não é diferente de interpretar uma personagem “normal”. Mesmo que a LINDA da novela fosse uma comum dona de casa ela seria diferente de todas as outras comuns donas de casa. Porque os autistas não são todos iguais! Assim como as pessoas são todas diferentes umas das outras.
Ser autista não significa que não haja uma pessoa por trás do diagnóstico. Uma pessoa com gênio forte ou tímida. Uma pessoa criativa ou preguiçosa. Uma pessoa com senso de humor apurado apesar de seu grave comprometimento dentro do espectro como a Carly. Uma pessoa com talento para entender os animais como a Temple. Uma pessoa que gosta muito de física experimental como o Sheldon.
Não um diagnóstico ambulante. Uma pessoa apenas, diferente das demais.
O que importa na história da LINDA da novela é que o tema autismo seja discutido por causa dela pela sociedade. Eu tinha muito medo dessa novela, desse retrato, sabe? Mas eu desencanei! Creio que é o momento de aproveitar o “spot light” e mostrar que agente precisa de assistência e inclusão de verdade. Que o autismo é uma condição crescente no mundo e precisamos saber por quê.
Dificilmente a novela irá tão fundo. Nas nossas angústias, nos nossos dilemas, nas nossas dúvidas. Mas isso é um detalhe agora. O tema autismo está no horário nobre, vamos nós pegar carona nessa exposição e estendê-lo aos demais horários da VIDA real.
Quem sabe daqui pra frente quando eu for embarcar com a Stella e entrar na fila preferencial a mocinha da Avianca nos olhará com outros olhos? Quem sabe não franzirá a testa quando eu disser que estamos na fila preferencial porque ela é especial e tem autismo? Lembrará a mocinha da Avianca da LINDA da novela?
Outro dia fui à padaria com uma camiseta com a palavra autismo estampada bem na frente. A senhora do caixa me olhou, torceu a boca pensativa e soltou essa: “Autismo! Ah, eu sei o que é. Não é aquela doença que a pessoa só enxerga tudo branco?”
Se a LINDA da novela esclarecer para a senhora da padaria um pouco sobre o autismo, então, meu povo, tá de bom tamanho, né! Um passo de cada vez com a cegueira da sociedade. Afinal, eu também era cega e não sabia!
Minha filha também não gira o controle remoto da TV, nem fala gaguejando e torcendo as mãozinhas. Mas a minha filha também é LINDA!
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Evellyn Diniz.