terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Uma visão sistêmica do Bullying

Uma viagem filosófica sobre a tendência da violência social
Por Cristiano Camargo
Muita gente já falou sobre este assunto, o autor que vos escreve inclusive, mas hoje eu gostaria de ir mais fundo nesta questão e fazer uma análise mais detalhada desta problemática das quais Autistas/Aspergers (e muitos neurotípicos também) são vítimas frequentes. Para que possamos entender como Autistas/Aspergers e outras vítimas recebem esta compulsão para a violência física, verbal e psicológica, precisamos primeiro entender a lógica do Opressor.
O Bullying não é um fenômeno recente, e não existe apenas na sociedade humana, mesmo na natureza, entre os animais, ele também existe, pois, em seu âmago e essência, o Bullying não é mais do que a simples intolerância e rejeição ao Diferente.
O grande escritor Jerzin Kosinski, em sua obra, “O pássaro pintado”, demonstrou isto claramente ao mostrar o caso do menino que separou um pássaro de seu bando, o pintou de azul e o recolocou nomeio de seu bando novamente. O indivíduo pintado, que até então era bem aceito, passou a ser alvo de intensos e furiosos ataques do resto do bando, até que fosse morto.
Mas isto não justifica a existência do Bullying na Sociedade Humana. Não se trata aqui de defender as ideias de Jean Jaques Rousseau e sua ideia de bom selvagem.
Não me parece que as pessoas sejam influenciadas por outras pessoas a ponto de irem contra a sua índole, contra a sua própria natureza, sua essência, e tê-la corrompida com novos comportamentos que vão contra sua índole original. Penso que quem tem compulsão pela violência já nasce assim e a educação dos pais nem sempre é a responsável, muitas vezes esta compulsão cresce sozinha dentro da mente do indivíduo, outras vezes é reforçada pela educação que recebeu. Existe um claro limite para o pensamento de Lavoisier, pois embora a índole original nunca se perca, existe um limite até onde possa se transformar.
O que está por trás então da rejeição ao diferente, da exclusão social?
A rejeição é um dos sentimentos que afeta mais profundamente a alma humana e sua psique. Mais ainda aos sensíveis Autistas e Aspergers!
O que leva um ser humano, ou um conjunto deles a rejeitar outro não é meramente instintivo, como nos pássaros e outros animais, embora, claro que tenha este componente.
Por que então a Natureza teria dotado os animais, inclusive nós, de um Instinto de Rejeição Social?
Charles Darwin provavelmente explicaria isto como sendo o indivíduo diferente não adaptado ao seu meio ambiente e por ser uma mutação genética. Porém, mutações genéticas muitas vezes preveem adaptações para ambientes e contextos futuros, que ainda vão acontecer e que não aconteceram ainda. São embriões das futuras gerações, experimentos destinados a estarem além de seu tempo, e a novas condições que só se apresentarão no futuro, e que se eles se adaptarem bem, serão o futuro da espécie.
É muito precipitado e presunçoso, ao menos por agora, afirmar que seja este o caso dos Autistas/Aspergers, alegando sua estrutura cerebral diferente e seus comportamentos diferentes. Mas pode ser uma tentativa da Natureza de seguir este caminho, que ninguém sabe se um dia, num futuro muito distante, poderá ser uma adaptação recessiva ou dominante na espécie humana. Na evolução humana, muitos foram os becos sem saída, e não se pode descartar que possa ser este o caso do s Autistas/Asperger, tudo é possível, mas nada é passível de comprovação, ao menos até agora.
Como mecanismo de proteção da Sociedade, no entanto, o Instinto de Rejeição Social falha nas áreas da Moral e da Ética.
Por isto não funciona em Seres Humanos da mesma forma que nos animais, e é reforçado por outros fatores muito além dos meramente naturais. E quais fatores seriam estes?
Não acredito na influência das Mídias, em suas várias formas, como fator importante a considerar, embora algumas façam apologia à Exclusão. Acredito na própria essência humana, e que cada um nasce com sua própria índole e propensão a certos comportamentos, que só são influenciados pelo ambiente e contexto onde vivem, inclusa aí a educação provida pelos pais, e a de amigos(as), até certo ponto. A violência em si sempre fez parte da Sociedade humana, em sua Pré-História e História, mas ela não foi o fator motivador dos fatos históricos em si, mas consequência direta de ideologias e vícios como a ganância, especialmente pelo Poder.
Acredito que as raízes do Bullying como Agente de Exclusão e Rejeição Social que é, advém do próprio caráter formado de seus conceitos e preconceitos, sua ideologia e valores morais, e é na formação do caráter que a educação dos pais influencia, ao tentar moldar, segundo seus próprios valores, o caráter primitivo, original e ainda incompleto da criança, que necessita de exemplos. Claro que não podemos ser Lamarkianos e ingênuos aponto de achar que, com base nisto, todo filho de boxeador vai ser um homem violento e que goste de brigar, para se adaptar a um ambiente de violência social.
Os filhos seguem os exemplos dos pais até certo ponto. Ou todo filho de pais que se suicidam se suicidariam imediatamente após verem os pais dando cabo de suas próprias vidas.
A mesma coisa é a influência dos amigos. O ponto em que quero chegar é a Pré-Disposição Psicológica. O indivíduo que pratica o Bullying em todas as suas formas já nasce com esta pré-disposição, e as influências sociais e familiares só apertam o gatilho que já existe. Neste ponto o que pode ser feito pelos pais é não prover este gatilho e não o deixar disparar (e muitos, provavelmente a maioria, provê isto inconscientemente, sem saber). O que explica a adesão em massa a um ato isolado de Bullying, transformando-o num evento social de rejeição e exclusão é o fator do Instinto de Rejeição Social inicialmente, depois somado à insegurança dos demais integrantes, de serem rejeitados socialmente, do espírito de liderança do membro que iniciou o evento (e a consequente lealdade a ele) e a possibilidade de ver nesta atividade algo divertido (e aí entra a pré-disposição e os fatores morais e culturais).
Numa Sociedade em que a Sensibilidade, os sentimentos, as emoções, a beleza de coração e alma são tão desprezados e desvalorizados, motivo de chacotas e ridicularizações, onde se prega a Desumanização da Sociedade pelo Individualismo, a rejeição social, da qual o Bullying faz parte, acaba sendo um dos poucos fatores concatenantes de união das pessoas a um objetivo, que vai muito além do conceito antigo, no sentido descrito por George Orwell em sua obra “1984″, de massificação das pessoas, sua conteinerização em moldes pré-formatados em que todos teríamos de ser iguais e os que não se encaixassem nos moldes seriam os elementos subversivos da Sociedade, a serem controlados, ou expulsos da sociedade, ou ainda isolados, segregados dela.
Esta exclusão não se dá mais, do ponto de vista dos praticantes do Bullying e seus defensores, pela razão lógica (?) da subversão, mas da violência pela violência, da violência como fator de diversão, em suma, pela adesão de alguns dos princípios do Marquês de Sade, o Sadismo, não como prazer sexual, mas da busca pseudo-hedônica do prazer pela violência, para isto bastando qualquer diferença, mínima que seja.
A pré-disposição que os praticantes de Bullying apresentam é a do sadismo, e de alguns dos mais violentos, talvez a Psicopatia. Quando se desumaniza a Humanidade a ponto de seus integrantes sentirem prazer e diversão no sofrimento dos outros, é hora de reagir e procurar curar, barrar esta tendência perversa e cruel.
E como o Bullying afeta suas vítimas?
Claro que a depressão, a angústia e o trauma são comuns tanto a neurotípicos, como aos Autistas/Aspergers.
Mas os neuro-diferentes são afetados, acredito, de forma muito mais profunda.
A índole Autista é pautada pela sensibilidade, pela sua essência pacífica e ordeira, pelos profundos sentimentos e emoções, que como disse em outras ocasiões em meus artigos na fanpage do meu Grupo de Asperger no Facebook, encontra sua analogia e pode ser devidamente ilustrada coma metáfora da Estátua com uma alma humana dentro, que quer pensar, sonhar, se emocionar, se expressar, expressar suas profundas emoções, mas estas ricocheteiam dentro da massa de rocha sólida e voltam para dentro novamente. E por isto mesmo se acumulam, intensificando ainda mais as emoções e os sentimentos, e consequentemente, sua sensibilidade. Por isto que muitos autistas são excelentes poetas, pois escrevendo conseguem expressar tudo o que a voz não diz.
Um componente que faz parte do Autismo desde sua origem, antes mesmo de ser imatura, quando ainda incipiente, é o Complexo de Inferioridade, que costuma ser muito forte neles, embora, muitas vezes não se manifeste claramente ou perceptivelmente. Como o Autista incipiente só consegue ver a metade ruim da Realidade, e a enxerga de um ponto de vista de quem olha o mundo através de uma lente de aumento, em que tudo para ele é visto como tão maior que ele, este fato por si só já gera nele um forte complexo de inferioridade, além da insegurança, baixa autoestima, baixa autoconfiança, e consequentemente vem a angústia e a depressão, e a compensação vem pelo seu mergulho em seu isolamento em seu Mundo Interno de Fantasia, onde o Complexo de Inferioridade procura ser compensado com um Complexo de Superioridade.
Porém, no advento traumático do Bullying, o Autista é repentinamente arrancado de seu Mundo Interno de Fantasia e submetido a um Choque de Realidade brutal, e o impacto da desilusão de não ser capaz de reagir como seus heróis de fantasia reagiriam e de vencer heroicamente seus agressores reais, o chocam violentamente, levando-o às vezes até a rejeitar seu próprio Mundo Interno de Fantasia que o decepcionou, reflexo direto de sua não aceitação de si mesmo, da imagem feia e pequena (e fantasiosa) de si mesmo que ele faz.
Tudo isto faz com que o sofrimento dele seja muito maior do que odo neurotípico, que não tem um pré-complexo de inferioridade em sua mente anterior ao evento do Bullying (mas que pode adquirir depois do evento).
Para que um neurotípico possa compreender como um Autista se sente quando vítima do Bullying, ele precisa sentar-se ou deitar-se com calma e ouvir a belíssima música “Ária na Corda Sol” de Bach, ou o “Adágio” de Albinoni, e se deixar levar pelas músicas e deixar aflorar os sentimentos que elas despertam. Penso que elas representem, ao menos para mim, toda a essência do sentimento, das emoções e da sensibilidade Autistas.
Só então poderá ter uma pálida ideia de toda a riqueza e deslumbre deste mundo tão vasto e complexo, e tão harmônico, para então poder ajudá-lo a quebrar a pedra e libertar a alma humana da estátua e poder brilhar, colocando para fora, para deslumbre de todos, o “tudo de bom” que ele tem dentro de si para mostrar e que deve ser valorizado.
No dia em que a Sociedade entender o que os Autistas tem de maravilhoso a contribuir para todos, talvez os Autistas não sintam mais a dor bachiana da incompreensão e da rejeição e, mostrando que podem crescer lindamente como Seres Humanos fundamentais para a própria Sociedade, que enfim será melhor, mais civilizada, bela e mais justa, livre de velhos instintos e ideologias ultrapassadas e cruéis do passado, e assim, não se restringindo à inclusão pelo politicamente correto, ou pelo dó, ou pela mera tolerância, e sim pela profunda compreensão e generosidade e sensibilidade humanas, e quem sabe aí os Autistas sejam as asas que a Sociedade precise para se reumanizar e se libertar do solo raso da ignorância, violência, vícios e insensibilidade para alçar voo para as virtudes mais louváveis da bela Essência Humana, que sempre estiveram presentes, mas que com a evolução da História, se esconderam nas nuvens do individualismo e do egoísmo que grassam, com suas tempestades de intolerância, discriminação e preconceito, a Humanidade e só trazem prejuízos e sofrimentos a quem, decididamente não merece tais castigos.
É preciso passar a pensar no Diferente não como inferior, doente, objeto de manipulação maniqueísta, mas como aquele que pode introduzir na sociedade novas ideias, valores, contribuições, beneficiando as pessoas através de sua diferença, pois o Diferente é o Novo, no sentido de ser aquilo que até então era indescoberto e desconhecido, mas que, ao ser entendido, contribuirá para o bem de todos nós.
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